Por Rebeca Roysen

As ecovilas são comunidades intencionais sustentáveis formadas por grupos de pessoas que se unem para criar um estilo de vida de baixo impacto ambiental e relações interpessoais mais cooperativas e solidárias (Roysen & Mertens, 2016).

A vida em uma ecovila baseia-se em três dimensões interligadas: ecológica, social/comunitária e cultural/espiritual.
A dimensão ecológica se manifesta em práticas locais sustentáveis, tais como bioconstrução, permacultura e tratamento ecológico dos resíduos domésticos (Swilling & Annecke, 2006; Veteto & Lockyer, 2008).

A dimensão social/ comunitária corresponde ao desejo das pessoas de construírem relacionamentos de confiança e ajuda mútua e se manifesta em práticas de partilha emocional, tomada de decisão por consenso ou consentimento, almoços comunitários, entre outros (Christian, 2007; Kirby, 2003; Kunze, 2015b; Loezer, 2011; Roysen & Mertens, 2019).

A dimensão social/ comunitária também inclui práticas de compartilhamento de espaços, ferramentas e trabalhos.

A dimensão cultural/ espiritual, embora varie muito de grupo para grupo, é a percepção de que a busca pelo autoconhecimento, a mudança de valores e a tomada de consciência são parte indissociável do caminho para a sustentabilidade (Roysen, 2018). Essa dimensão se expressa em práticas meditativas, rituais e práticas espirituais (Caravita, 2012; Kasper, 2008).

As ecovilas são descritas na literatura acadêmica como “nichos de inovação social de base” (Boyer, 2015; Roysen & Mertens, 2019), como “incubadoras de inovações sociais” (Kunze, 2015a), como “laboratórios vivos” (Santos-Júnior, 2016), como “centros demonstrativos” em práticas sustentáveis (Salazar, 2013) e como um “paradigma alternativo de desenvolvimento” (Veteto & Lockyer, 2008). Isso porque as ecovilas desenvolvem práticas alternativas em diversas dimensões da vida cotidiana: na construção, no plantio, na alimentação, no transporte, nas relações interpessoais e na tomada de decisão.

Em seu estudo sobre a ecovila norte-americana Dancing Rabbit, por exemplo, Boyer (2016) afirma que a ecovila consome menos de 10% do consumo médio de um norte-americano, em diversas categorias de consumo. Outro estudo recente sobre ecovilas nos EUA demonstram que seu modo de vida promove um impacto ambiental entre 47% e 80% menor do que o impacto de um norte-americano médio (Sherry 2019). Grande parte dessa redução do impacto ambiental se dá por meio da integração de práticas sustentáveis diversas e pelo compartilhamento organizado de recursos, tais como carros compartilhados, almoços coletivos, etc. No Brasil, ao aplicar onze Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) estabelecidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) às ecovilas brasileiras, Belleze, Bernardes, Pimenta, & Júnior (2017) descobriram que as ecovilas apresentam melhores desempenhos em todos os IDS apresentados, em comparação com a população brasileira, com exceção do indicador de participação de fontes renováveis de energia, o qual não pôde ser calculado devido à falta de dados precisos.

As ecovilas estão presentes em todos os continentes do planeta, e estão conectadas por meio da Rede Global de Ecovilas (Global Ecovillage Network – GEN), que abarca mais de 6.000 comunidades em 114 países (GEN, n.d.).

A GEN constrói pontes entre políticas públicas, governos, ONGs, academia, empreendedores, ativistas, redes comunitárias e ambientalistas de todo o mundo para criar estratégias para uma transição global na direção de comunidades e culturas resilientes e regenerativas (www.ecovillage.org). Hoje, a GEN tem status consultivo no Conselho Econômico e Social da ONU e é parceira da UNITAR (Instituto das Nações Unidas para Treinamento e Pesquisa). Em 1998, as ecovilas foram incluídas entre os “modelos de vida sustentável” pelo Programa Habitat da ONU.

Durante a COP-25, a conferência do clima da ONU, a GEN assinou a aprofundou acordos com a Gambia, Serra Leoa, Sudão, Libéria e Burkina Faso para a implementação nacional de programas de desenvolvimento de ecovilas, ampliando a rede de projetos globais em busca da transição e de um futuro regenerativo.

O braço da GEN na América Latina é o Conselho de Assentamentos Sustentáveis da América Latina (CASA Latina), que conecta iniciativas rurais, tais como ecovilas e outras comunidades intencionais e tradicionais; urbanas, tais como ecobairros e cidades em transição; nômades, tais como ecocaravanas e chaskis (viajantes que passam por diversas ecovilas levando informações e conhecimento); educativas, tais como institutos de permacultura e ecopedagogia; jovens e redes, ONGs e cooperativas que trabalham com sustentabilidade (redcasalatina.org). No Brasil, a rede CASA Brasil está se estruturando. Ainda sem site, a rede brasileira pode ser acessada via Facebook (https://www.facebook.com/assentamentossustentaveis/).

As ecovilas brasileiras têm seguido a tendência mundial de sair do isolamento e ampliar o diálogo com atores externos, incluindo atores governamentais e a atuação em conselhos de políticas públicas (Roysen & Mertens, 2017). Cresce cada vez mais o número de iniciativas, estudos acadêmicos, visitantes e interessados em ecovilas e estilos de vida mais colaborativos e sustentáveis no Brasil. Dessa forma, o fortalecimento do CASA Brasil, enquanto rede nacional, torna-se importantíssimo para facilitar o fluxo de comunicação entre as ecovilas e outras iniciativas sustentáveis, agregar conhecimentos e experiências e difundir esses conhecimentos para o público mais amplo. Além disso, uma rede nacional de ecovilas fortalecida é um passo necessário para se ampliar o diálogo entre ecovilas e atores políticos em nível nacional, de forma a institucionalizar as ecovilas em projetos e programas públicos.

O movimento das ecovilas apresenta uma linda trajetória de aprendizados e conquistas. Entretanto, diante do aprofundamento da crise socioambiental global, precisamos continuar e intensificar esse trabalho de pesquisa e difusão de novas alternativas de vida para a sociedade. Para isso, podemos contar com uma rede global de pessoas e iniciativas que sustentam essa energia, que se apoiam mutuamente e que formam uma grande família global. Venha fazer parte dessa família também!

Referências:
Belleze, G., Bernardes, M. E. C., Pimenta, C. A. M., & Júnior, P. C. N. (2017). Ecovilas brasileiras e indicadores de desenvolvimento sustentável do IBGE: uma análise comparativa. Ambiente & Sociedade, XX(1), 227–244.
Boyer, R. (2015). Grassroots innovation for urban sustainability: Comparing the diffusion pathways of three ecovillage projects. Environment and Planning A, 47(2), 320–337.
Caravita, R. I. (2012). “Somos todos um”: vida e imanência no movimento comunitário alternativo. Universidade Estadual de Campinas.
Christian, D. L. (2007). Starting a new ecovillage: ‘structural conflict’ & nine ways to resolve it. In JOUBERT & ALFRED (Eds.), Beyond you and me: inspirations and wisdom for building community (pp. 49–57). Hampshire: Permanent Publications.
GEN, G. E. N. (n.d.). What is an Ecovillage? Retrieved November 21, 2015, from http://gen.ecovillage.org/en/article/what-ecovillage
Kasper, D. V. S. (2008). Redefining community in the ecovillage. Human Ecology Review, 15(1), 12–24. https://doi.org/10.1080/00201740903302584
Kirby, A. (2003). Redefining social and environmental relations at the ecovillage at Ithaca: A case study. Journal of Environmental Psychology, 23(3), 323–332. https://doi.org/10.1016/S0272-4944(03)00025-2
Kunze, I. (2015a). Ecovillages: isolated islands or multipliers of social innovations? Retrieved November 10, 2015, from http://www.transitsocialinnovation.eu/blog/ecovillages-isolated-islands-or-multipliers-of-social-innovations?utm_source=subscribers&utm_campaign=640b37d940-TRANSIT_Newsletter_November_201511_2_2015&utm_medium=email&utm_term=0_d7f7bd8502-640b37d940-2644933
Kunze, I. (2015b). Transformative Social Innovation Narrative of the Ecovillage of Schloss Tempelhof ( TH ). TRANSIT: EU SSH.2013.3.2-1 Grant Agreement No: 613169, (613169).
Loezer, L. (2011). Enhancing Sustainability at the Community Level: Lessons from American EcoVillages. Retrieved from https://etd.ohiolink.edu/ap:10:0:::10:P10_ACCESSION_NUM:ucin1321368949
Roysen, R. (2018). Desenvolvimento e difusão de práticas sociais sustentáveis no nicho das ecovilas no Brasil: o papel das relações sociais e dos elementos das práticas. Universidade de Brasília.
Roysen, R., & Mertens, F. (2016). Difusão de práticas sociais sustentáveis em nichos de inovação social de base: o caso do movimento das ecovilas. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 39, 275–295. https://doi.org/10.5380/dma.v39i0.46673
Roysen, R., & Mertens, F. (2017). O Nicho das Ecovilas no Brasil: Comunidades isoladas ou em diálogo com a sociedade? Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science, 6(3), 99–121. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.21664/2238-8869.2017v6i3.p99-121
Roysen, R., & Mertens, F. (2019). New normalities in grassroots innovations : The recon fi guration and normalization of social practices in an ecovillage d e. Journal of Cleaner Production, 236, 8. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2019.117647
Salazar, C. A. P. (2013). Participación y acción colectiva en los movimientos globales de ecoaldeas y permacultura. Revista Latinoamericana de Psicologia, 45(3), 401–413. https://doi.org/10.14349/rlp.v45i3.1482
Santos-Júnior, S. J. (2016). Zelosamente habitando a Terra: ecovilas genuínas, espaço geográfico e a construção de lugares zelosos em contextos contemporâneos de fronteiras paradigmáticas. Universidade Federal da Bahia.
Swilling, M., & Annecke, E. (2006). Building sustainable neighbourhoods in South Africa: learning from the Lynedoch case. Environment and Urbanization, 18(2), 315–332. https://doi.org/10.1177/0956247806069606
Veteto, J. R., & Lockyer, J. (2008). Environmental Anthropology Engaging Permaculture : Moving Theory and Practice Toward Sustainability. Agriculture, 30(1–2), 47–58. https://doi.org/10.1111/j.1556-486X.2008.00007.x.ven