Ética, Responsabilidade e Cuidado: há vinte anos já sabíamos o que fazer

O momento que estamos atravessando, como comunidade global, é extremamente complexo e difícil: uma combinação de elementos que é inédita em nossa experiência. São desafios paralelos, das mais diversas ordens, que não obedecem às lógicas vigentes e desrespeitam nossas expectativas. Chegaram e viraram tudo de cabeça para baixo. Mas, apesar de nos deixar atordoados, esta bagunça nos presenteia com uma oportunidade ímpar de reorganizar as coisas. Poucas vezes conseguimos apreciar de maneira tão clara determinados aspectos de nossas vidas, seja individualmente ou em nossa experiência como comunidade global. Ela nos permite reavaliar nossas prioridades, nossas dinâmicas, nosso próprio entendimento de mundo e de nós mesmos.

Se quisermos estar melhor equipados para lidar com as crises futuras (e, principalmente, evitar as que puderem ser evitadas) é preciso que se analise de forma honesta e cuidadosa nossos erros e acertos. Para além disso, é preciso que esta análise considere as consequências das nossas escolhas de maneira ampla e atenta e que seja responsável, humilde e solidária, porque se um problema que atinge a todos não é resolvido para todos, ele continua sendo um problema – de todos.

Esta é uma questão ética tanto quanto de sobrevivência. Se queremos ser uma comunidade mundial melhor no futuro, nosso primeiro trabalho é admitir que não estamos no controle absoluto do mundo, porque o mundo é muito mais do que as pessoas – e, mesmo que fosse, sequer isto conseguimos compreender em sua completude. Este trabalho deve ser feito, no entanto, entendendo que ainda assim temos um amplo escopo dentro do qual somos agentes e podemos causar os mais diversos efeitos. Nos resta escolher que tipo de efeito queremos ter no mundo, como indivíduos, povos e como sociedade global.

Há vinte anos se publicava a Carta da Terra. Diante da chegada do século XXI, esta carta dos povos declara quatro princípios éticos para a construção de uma sociedade justa, pacífica e sustentável: respeitar e cuidar da comunidade da vida, integridade ecológica, justiça social e econômica, democracia, não violência e paz. Problemas sistêmicos e globais somente podem ser resolvidos a partir de uma abordagem global e sistêmica. É somente através do comprometimento absoluto da humanidade com ela mesma e com o planeta (ou, mais ainda, superando a separação entre as duas coisas) que encontraremos soluções que sejam reais e duradouras – porque contemplam e respeitam a integralidade e a complexidade da vida.

É neste contexto que o Comitê da Carta da Terra lança, em 2020, o Festival Carta da Terra, em celebração aos 20 anos de sua publicação. Assim como tantas outras coisas, ele foi adaptado para uma crise que nos pegou de surpresa, mas assim como tivemos de aprender e criar novas possibilidades, o momento é oportuno para nossa reflexão profunda e reconstrução de padrões de comportamento e aprender uma nova lógica, que seja melhor para todo mundo e para todo o mundo.

Luiza Chaer,

diretora técnica na Alternativa Terrazul e professora.