A Área de Proteção Ambiental – APA do Pouso Alto – Chapada dos Veadeiros, Goiás – representa uma das mais importantes áreas para a conservação do Cerrado no Brasil, além de toda a sua importância natural, guarda um rico patrimônio histórico e cultural ainda pouco estudado e observado do ponto de vista dos grupos originários dessa região. Infelizmente nossos povos indígenas foram dizimados e pouco se sabe sobre eles, apenas um pequeno grupo removido para a Reserva Indígena Avá Canoeiros. Porém, o processo de ocupação desse território oferece um singular contexto para o nosso entendimento atual, como muito bem conceituou o historiador Paulo Bertran na definição do Homem Cerratense.

A região da Chapada dos Veadeiros transpassa o território da APA do Pouso Alto e é um berço de nossa civilização e contribuiu em muito para a formação do DNA do Homem Cerratense, desde os mestres da cultura tradicional ou a juventude contemporânea. Mas antes de aprofundarmos a importância da APA do Pouso Alto, vamos entender esse nome e porque Pouso Alto é uma chave para compreender a nossa região. A Pouso Alto é a região mais alta do Planalto Central e, talvez, o coração do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros sendo o seu cume o divisor de águas das bacias hidrográficas Tocantins e Paranã. Ali estão as primeiras nascentes do Rio Preto, Rio das Almas, Córrego Santana, Rio dos Couros, Rio de Pedras e Córrego das Cobras. Em tempos antigos o Pouso Alto era o ponto de pernoite dos tropeiros e viajantes ainda do Brasil Colônia. O antigo caminho para Cavalcante era feito por ali, local de vento forte e frio, e o Cruzeiro era por onde passava a antiga rota que vertia para a bacia do Rio de Pedras.

Cavalcante é o município formador da Chapada dos Veadeiros e, consequentemente, tem um papel fundamental para a APA do Pouso Alto, com uma rica história ligada ao processo de exploração do ouro e também da interiorização do Brasil. O município concentra todo o processo de miscigenação dos povos do Cerrado brasileiro. Aqui indígenas, negros africanos e o europeu, criaram suas dinâmicas em função da vida no Bioma Cerrado. É notório que nessa história há muita luta, resistência e episódios que nos trazem à luz o contexto atual, de desigualdade e pressão sobre as comunidades tradicionais, aos pequenos agricultores e ainda na eliminação dos povos indígenas. É aqui que está o maior Quilombo do Brasil em extensão territorial, o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga e ainda a maior porção de Cerrado ainda conservado do Brasil Central. Tudo isso, fruto de um processo de quase 300 anos.

Na atualidade o que se observa, é uma nova corrida do “ouro”: de um lado pessoas buscando um novo meio de vida baseado na sustentabilidade e nos recursos naturais preservados, dentre esses o turismo, e por outro, as frentes agrícolas e de mineração que ainda se utilizam de métodos antigos para o convencimento, exploração e supressão das comunidades tradicionais, quilombolas, pequenos agricultores e do bioma Cerrado. De ambos os lados nota-se que há oportunidades e desafios para manter o que há de mais sagrado para os povos originários, a sua cultura e o seu direito de prosperar com dignidade mantendo a sabedoria e o conhecimento tradicional ancestral em suas terras. Gerar base para um desenvolvimento que seja justo e oportuno para as pessoas que realmente tem tido sabedoria para lidar com o campo e evitar novos problemas sociais.

Infelizmente isso ocorre por ausência de políticas públicas e pelo esquecimento do Estado e dos governos para esse território, que sempre foi palco de disputas. A região ainda carece de uma base de sustentação que garanta seus principais ativos para as futuras gerações.

O planeta passa por um momento sem precedentes para a vida humana. A Pandemia trouxe não apenas uma reflexão de como nossos sistemas são desiguais e estão fracassados para a grande parcela da humanidade, mas sobretudo, a necessidade de um processo de resiliência e mudanças para uma vida mais justa, saudável e melhor para o futuro. Assim, é importante que territórios como a APA do Pouso Alto, a Chapada dos Veadeiros e Cavalcante, sejam exemplos dessa resiliência e estejam como pauta central para essa nova agenda para a vida do ser humano. Apesar dos problemas serem ainda antigos, temos tecnologia e estudos contemporâneos que nos permitem acreditar que é possível um desenvolvimento de fato sustentável, bastando que as pessoas tenham voz ativa e, principalmente, que as esferas públicas tenham capacidade de efetivamente colocar esforços para essa nova agenda dos verdadeiros valores da vida. E que o desenvolvimento não seja sinônimo de desmatamento e perdas dos nossos principais ativos regionais. É preciso que a conservação do Cerrado seja monetizada com base em seus ativos genéticos, aos frutos, aos estudos da biomedicina e farmacologia, a conservação e preservação das nascentes, a conservação da paisagem e ao uso geológico com alto valor agregado com o mínimo impacto e ainda avançar nas políticas de incentivo à conservação dos ativos ambientais preservados e, principalmente, para a cultura do homem cerratense.

João Bittencourt Lino

Formado em Turismo, Universidade Alves Faria – GO

Foi Secretário de Turismo de Cavalcante, Gerente de Projetos e Pesquisas Turísticas e Diretor de Desenvolvimento Turístico da Agência Estadual de Turismo de Goiás, Consultor da UNESCO para o Ministério do Turismo, e participou de diversas cooperações internacionais, com a União Europeia, França, Moçambique e EUA. Tem atuado no Turismo de Base Comunitária para o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga e Diretor da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso.